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Blog do Henrique Szklo

Os fanáticos deveriam ser as pessoas mais felizes do mundo

Henrique Szklo

09/10/2018 04h00

Crédito: iStock

Pensando no nosso momento político, me arrisco dizer que não existem pessoas potencialmente mais felizes do que os fanáticos. Sejam eles religiosos, políticos, esportivos, não importa. Sabem o que querem, o que são e qual a exata solução para todos os problemas. Nem um milímetro para lá, nem um milímetro para cá. Esta certeza inabalável deveria fazer com que eles sofressem muito menos do que quem está sempre cheio de dúvidas. E digo potencialmente porque na verdade eles não são. Ao invés de aproveitarem o conforto psicológico que uma vida cheia de certezas proporciona, passam boa parte de seu tempo cozinhando sua bílis em fogo brando, como se fosse uma poção mágica que, por meio do ódio ao contraditório, vá destruir o ponto de interrogação e a ameaça que ele representa.

Quem questiona a minha crença é um inimigo a ser abatido. Se eu não destruí-lo logo, corro o risco de ser eu o eliminado. Não posso correr o risco de o meu "certo" não ser assim tão inabalável. É melhor eu evitar qualquer possibilidade de isso acontecer. Mas, pasme, pessoas normais (sic) como nós (sic) também fazem o mesmo. Com outra intensidade, mas fazem. É só pensar em alguém discordando de você em algum assunto que lhe seja relevante. Se você não estiver absolutamente tranquilo com relação à sua crença, vai lhe provocar raiva e inconformismo. Porque esta pessoa está lhe dizendo indiretamente que você está "errado". E isso você não pode admitir. Mas se você não for um fanático não deixará que esta raiva desencadeie em algo mais dramático. Bloqueia e pronto.

Muitas vezes nem é necessário questionar as crenças de um fanático para que ele parta para a ignorância. A simples existência de uma corrente de pensamento diferente já basta para que ele se sinta suficientemente ameaçado e deseje a completa extinção de seu contrário. Isso se dá porque, no fundo, ele também não tem certeza de nada e não pode correr o risco de ver o castelo que lhe protege sendo despedaçado por ele próprio, sem sequer haver a interferência do outro. Seguro morreu agredido por um fanático.

Analise bem a vida e veja se é possível mesmo ter certeza de alguma coisa. O universo vive em constante movimento e evolução. O que era ontem pode não ser hoje e poderá voltar a ser amanhã. É tudo uma questão de opção de vida. Dá mais trabalho ser livre, aceitar as diferenças, questionar. Mas é muito mais rico em experiências e, no meu modo de ver, mais compatível com a dinâmica do mundo à nossa volta. "Eu prefiro ser esta metamorfose ambulante". No microcosmo atômico tudo está em constante movimento. Se os átomos permanecem em sua incansável corrida, por que nós temos a petulância de acreditar por um instante que as nossas vidas (e crenças) não devam se movimentar na mesma velocidade e intensidade?

Uma das razões que explicam o comportamento exacerbado dos fanáticos é justamente a dificuldade em lidar com o fracasso e sua consequente frustração. Ao encontrarmos alguma crença que nos eleve a autoestima, nos inocente completamente de nossa responsabilidade pelo inferno em que vivemos e, complementarmente, aponte o culpado por nos fazer miseráveis, a abraçamos com paixão cega e passamos a venerá-la como uma divindade que precisa ser protegida da fúria destruidora de seus negadores. E todo mundo sabe que a melhor defesa é o ataque. O mecanismo é muito simples, por isso tão eficiente com as massas manipuladas.

O ser humano tem uma necessidade inadiável de "saber", de estar "certo" sobre tudo. O medo de não saber nos apavora. Precisamos de alguma forma encontrar certezas que nos protejam do escuro. Precisamos saber, mesmo que este saber seja só uma invenção, uma quimera apaziguadora. Inventamos a solução e passamos a acreditar nela como cláusula pétrea de nossa constituição pessoal.

E os saberes mais importantes, porque dizem respeito à nossa própria existência, são aqueles de que a filosofia trata desde sempre: quem somos? De onde viemos? Para onde vamos? E muita gente, mas muita gente mesmo, resolveu este problema de uma forma simples e indolor: acreditando em alguma religião ou força espiritual. Isso porque são justamente essas instituições que propuseram as respostas às perguntas desconfortáveis. Nenhuma provada, mas todas carregadas de significados, metáforas, mitos etc. Essas ferramentas têm uma imensa força em nosso imaginário.

A grande virtude das religiões são suas boas histórias. E o ser humano adora uma boa história. E se acreditamos nas histórias, ou seja, nos preceitos da religião, as dúvidas são sanadas, deixando de ser dúvidas e passando a ser certezas, peças perfeitamente encaixadas em nossa estrutura emocional. Isso traz equilíbrio, paz, sensação de conforto. Num nível bastante profundo. Então passa a ser óbvio porque as pessoas ficam perturbadas quando alguém coloca sua religião sob questionamento. Nos sentimos ameaçados em nossas mais profundas crenças e na nossa própria sobrevivência.

É óbvio que isso causa, na melhor das hipóteses, um desprezo profundo pelo responsável por estes sentimentos desagradáveis. E, numa escalada de emoções, provoca o ódio cego e pode muito bem levar pessoas a cometerem atos de extrema violência que, curiosamente, são condenados pela própria religião que foi posta em questionamento. Enfim, mais uma das contradições humanas. É a velha história: eu sei que a religião prega a paz e a tolerância, "mas neste caso…".

Pense bem: que diferença faz uma outra pessoa acreditar ou não nas mesmas coisas que eu? No que isso me afeta, verdadeiramente? Em nada, não é? Não acreditar não é desrespeito. É apenas outra opinião. Portanto não deveria nos afetar. O problema é que afeta. E muito.

Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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