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Blog do Henrique Szklo

Todo criativo é viciado em adrenalina e dopamina

Henrique Szklo

28/08/2018 04h00

Crédito: iStock

O ato de criar em si é fácil. Tão fácil que chega a ser ridículo. Todo o problema está no entorno do processo. São tantos aspectos potencialmente desestabilizadores de nosso estado emocional, tantas variáveis ameaçadoras à nossa psique que é impossível imaginar uma espécie de manual que amenize os efeitos agressivos de uma ideia rejeitada.

Inicialmente temos o medo. Filósofos de LinkedIn vivem sugerindo alegremente que é preciso "pensar fora da caixa", expressão que odeio. O que eles não levam em consideração, entre outras dificuldades, é o medo de sermos julgados, medo de sermos taxados de idiotas, de loucos, de débeis mentais. E esse medo está sempre presente, mesmo nas pessoas reconhecidamente criativas. Isso bota uma pressão psicológica que não é fácil de lidar. A maioria das pessoas, compreensivelmente, prefere não lidar com este estresse voluntário. Como eu disse, extrair ideias de nosso cérebro é muito tranquilo. Levá-las adiante é que faz o chão tremer.

Principalmente porque, de fato, independentemente de a ideia ser boa ou não, as pessoas irão julgá-lo, irão taxa-lo de idiota, de louco e débil mental. A questão que você precisa avaliar é puramente estatística: qual a porcentagem de pessoas que reagiu negativamente à sua ideia. As ideias mais palatáveis são aquelas em que a menor parte do público-alvo desenvolve um pensamento ofensivo com relação ao seu autor. Quanto maior o número de algozes, maior a possibilidade de a ideia não ir para frente. Mesmo uma ideia considerada de sucesso terá seus críticos ferozes. E você irá se aborrecer e se ofender com seus comentários. Os mais sensíveis ficarão magoados.

Não existe criatividade absoluta. Nada é criativo universalmente. Todas as avaliações devem levar em conta os códigos culturais do público-alvo da ideia. Como no estudo da linguística, em que Roman Jakobson definiu a necessidade de haver emissor, receptor, código, mensagem, canal e referente, na criatividade o conceito é exatamente o mesmo. Uma ideia só pode ser julgada como criativa ou não pelas pessoas que se pretendeu impactar. Imagine um plugin de jQuery que processa, manipula, filtra e monitora URLs nos atributos HREF e SRC usando elementos arbitrários (incluindo document.location.href), e cria âncoras para URLs encontradas no HTML. Hein? Não achou genial? Só se você for um nerd. Se não, além de não ter condições de saber se é criativo ou não, não lhe é minimamente relevante. Ou seja: pra você não é criativo.

Diante deste cenário complexo de opiniões, visões, percepções, padrões culturais, enfim, fica impossível a gente criar com alguma coisa parecida com o que costuma se chamar de paz de espírito. Criar é fácil, repito. Já ser um profissional criativo não é um passeio na Disneylandia. Qualquer trabalho pode te levar para o Olimpo, sentado ao lado direito de Zeus, ou arrastá-lo impiedosamente ao mármore do inferno, onde arderás por toda a eternidade. Sim, é uma situação dramática.

Muita gente que se considera criativa, não o é de fato. Sofrem menos porque arriscam menos. Não quebram paradigmas, não forçam a barra com os padrões adquiridos, portanto não perturbam a lei e a ordem. Já aquele que realmente ousa, que se joga no precipício sem saber se algo irá salvá-lo ou não, este vive caminhando sobre geleia. Suas frustrações são muito maiores que os prazeres, acredite. Por isso, uma das coisas mais importantes a se aprender para ser um criativo de verdade é saber lidar com a frustração.

Então pra quê ser criativo? A troco de quê? É masoquismo? Uma espécie de expiação, de penitência, de carma? Foi uma pessoa muito má em outras vidas então volta criativa? Quanto pior você foi, mais criativo você retorna? Talvez, quem sabe? Porém, o que nos leva a colocarmos sempre nosso prestígio em jogo é justamente esta palavra: jogo. O criativo é viciado em jogatina. Na imprevisibilidade de ganhar ou perder. Neste contexto, a adrenalina e a dopamina são drogas que não se pode menosprezar. Juntas então, formam um coquetel explosivo.

– Uma dose de adrenalina a gente toma antes de começar a criar, pelo desafio e imponderabilidade do resultado.

– Uma dose de dopamina tomamos durante o processo criativo, pelo prazer de observar uma ideia nascendo e se crescendo diante de nossos olhos.

– Como disse Leonardo da Vinci, "Uma obra nunca está pronta, apenas abandonada", portanto em algum momento terá de ver a luz do dia. E quando chega esta hora mágica, uma dose do nosso coquetel: adrenalina, pois, independentemente de nossa opinião a respeito da ideia, a verdade só será revelada quando vislumbrarmos a reação das pessoas as quais ela foi dirigida. É aquele momento dramático de viver ou morrer. Mas não é medo, é ansiedade. A diferença entre medo e ansiedade é que a dopamina também faz parte da dose.

– Quando a ideia é finalmente apresentada é que a roleta para. Que número deu? Se a ideia for bem aceita, uma boa dose de dopamina. Já, se não, uma outra droga que não sei o nome nos invade e parece que vai nos fazer apodrecer por dentro. Mas, não se preocupe. Passa. Tudo passa. Inclusive a dopamina. Por isso o vício. Queremos sempre mais e mais.

Mas e se a ideia for ignorada? Bem, é curioso. Neste caso, você ouvirá muitas barbaridades sobre você e sobre ela. E ficará machucadinho. Se ninguém prestar atenção nela, você, seu ouvido e seu sistema nervoso serão poupados. Porém, em criatividade, o silêncio é o código do fracasso. Mas apesar de ser humilhante, pelo menos você vai sofrer bem menos do que se for execrado.

Como todo mundo, meu maior prazer está em criar. O ato, o malabarismo mental, a ginástica psicológica, a reflexão com propósito. A quebra de paradigmas. O surpreendente. O emocionante. O novo. Sou 50+, mas ainda me encho de dopamina e adrenalina todos os dias. Confesso que sou viciado e não pretendo ir para a reabilitação enquanto viver. Como diria Amy Winehouse: "No, no, no!".

Chego a ter crises de abstinência. Se fico alguns dias sem criar alguma coisa, qualquer coisa, começo a ficar de mal humor, sensação de fracasso, desânimo. Para deixar claro, eu disse qualquer coisa, mas dentro de um conceito objetivo: precisa ser pra valer. Criar sem propósito não é criar. Criatividade só merece este nome se resolver ou tentar resolver um problema real. Do contrário é só uma brincadeira de criança. Eu, como bom adicto, preciso me sentir desafiado e lutar alegremente contra os obstáculos até achar uma resposta.

Para manter o que resta de minha sanidade, desenvolvi uma forma de diminuir a frustração e, consequentemente, as doses daquela droga sem nome. Provavelmente foi uma carapaça que criei psicologicamente para sofrer menos e continuar fazendo o que gosto. Eu crio e tento ficar relaxado com relação à reação das pessoas, diminuindo a minha expectativa ao máximo que puder. Não é possível a indiferença total, só se eu fosse psicopata. Bem, talvez eu seja, mas até agora, ainda me incomodo com o fracasso e com a indiferença. Em compensação não fico especialmente exultante com o eventual sucesso.

Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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