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Blog do Henrique Szklo

Mentir faz bem para a pele

Henrique Szklo

25/09/2018 04h00

Crédito: iStock

A mentira tem perna curta, mas, como um polvo, tem também vários e longos braços. O convívio social nos impõe o que chamamos de mentira branca para evitar constrangimentos e possíveis rejeições, guardando para nós mesmos nossa opinião sobre quase tudo. Mas será que é assim tão necessário?

Por que não podemos dizer o que pensamos? Porque a forma pela qual a civilização se desenvolveu nos fez medrosos, preguiçosos, mimados e interesseiros. Sensíveis que somos, não podemos ouvir opiniões que ameacem a nossa fantasia de perfeição, sob o risco de um colapso emocional. Desde crianças somos instados a mentir sobre o presente que ganhamos da tia, ou sobre a comida que comemos quando no papel de visitas.

Paralelamente, somos severamente orientados a nunca mentir, porque é muito feio. Quem mente, o nariz cresce, dizem. A partir daí já podemos enxergar um conflito pernicioso que nos acompanha por toda a vida e a maioria das pessoas realmente se perde em sua administração diária. Nossas verdades e mentiras se embaralham em nossas cabeças e acabamos por confundir os momentos apropriados para expressar umas ou outras. O Pinóquio é um fantasma que assombra a mente do homem contemporâneo. Devia estar presente na obra de Freud.

A mentira é a irmã da preguiça

Mentir é o jeito mais fácil e, até prova em contrário, eficiente de se evitar problemas ou de se levar algum tipo de vantagem. Evitamos ser sinceros, enfim, para não sermos expulsos do paraíso, para sermos aceitos, celebrados e, se possível, inquestionáveis. Dá muito menos trabalho e não custa nada. Um cara chamado Henry Mencken disse que é difícil acreditar que um homem está dizendo a verdade quando você sabe que mentiria se estivesse no lugar dele. Basicamente, mentimos para salvar nossa pele. Daí o título deste artigo.

Muitos evitam ser sinceros para não serem taxados de radicais. Isso porque costumamos confundir os sinceros com sincericidas: indivíduos destemperados que disparam sua metralhadora contra algo ou alguém com quem não concordam, vomitando certezas, exasperando preconceitos, literalmente chamando pro pau aqueles que "merecem" ir pro pau. Estes bastiões das verdades absolutas buscam desvalorizar completamente a posição antagônica utilizando a catarse como ferramenta, o que eu chamo de demência controlada.

Espécies de justiceiros que geralmente começam por um ideal e depois passam a ser reféns de sua sinceridade mentecapta. Descobrem que é mais gostoso fazer sucesso do que ser sensato. Muita gente gostaria de ser assim. Mas exige destemor e estrutura emocional. É exposição demais. Você produz uma legião de adoradores, mas na mesma medida, um exército de inimigos mortais. Não tem jeito, mesmo para ser idiota é preciso de coragem. Por isso mentimos.

O melhor amigo da sinceridade é o anonimato

Os já tradicionais espaços anônimos para comentários de internet são usados como trincheiras daqueles que não têm direito ou coragem de ser sinceros. Estes frustrados de carteirinha ganham força e bravura quando protegidos pelo manto da invisibilidade. Desacostumados que são de exprimir suas opiniões, perdem a mão e partem para a ignorância. Literalmente. E só o fazem porque sabem que podem dizer o que lhes vier na veneta, que jamais serão punidos, nem expulsos de um paraíso que, ironicamente, sequer fazem parte. Para estas pobres almas, o botão "publicar" funciona como uma válvula hydra virtual. Mas não os condeno. Cada um oferece ao mundo aquilo que pode.

Não sou ingênuo em acreditar que a sinceridade absoluta seja libertadora. Ao contrário. Como vimos no parágrafo acima, sinceridade absoluta e irrestrita é tão ou mais nociva que a dissimulação. Nelson Rodrigues dizia, com a propriedade que lhe era marca registrada, que se todos soubéssemos o que os outros pensam, não nos daríamos nem bom dia.

Todos nós temos algo a esconder, segredos de alcova, assuntos que não queremos ou não podemos divulgar em razão de sua condição estratégica ou por não ser algo que possamos exatamente chamar de nobre. Isso é absolutamente normal. Eu desconfio em quem só tem qualidades. Só pensamentos elevados. Só sorrisos. Não existem santos fora do céu.

Mas a mentira não é necessária. É apenas conveniente. E uma conveniência que a longo prazo só nos tem prejudicado. É por isso que eu prego o honesting, ou seja, a sinceridade não apenas com os outros, mas com a gente mesmo. De preferência, bem humorada e fervilhando bom senso. Sem lições de moral ou tentativa de nos humilhar ou a quem pensa diferente. É possível sermos autênticos, mais que isso: é fundamental que o sejamos. Engolir nossas sinceras opiniões e sentimentos provoca úlceras e outros males autopunitivos.

Mas para que o efeito seja positivo, tanto para o emissor quanto para o receptor, é preciso evitar que estas informações cheguem ao outro como um spray de pimenta ou um chapéu de burro. Que, ao contrário, carregue até um componente de simpatia, credibilidade e tolerância. Mas como dá trabalho, ocupa tempo e dispende energia, só de pensar dá uma preguiça danada. É, talvez seja melhor continuarmos mentindo. Inclusive para nós mesmos. Assim evitamos os problemas de pele.

Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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