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Blog do Henrique Szklo

Cuidado com os currículos criativos

Henrique Szklo

24/04/2018 04h00

Crédito: iStock

A concorrência sempre é grande para um bom emprego. Para o ruim também (não está fácil pra ninguém). A quantidade de currículos que as empresas recebem hoje me faz imaginar aquelas montanhas de cartas que víamos nos sorteios da Telesena. Uma moça de maiô joga um monte para cima e o que ela pegar será o mais novo e feliz contratado.

Pessoas são produtos

Se nos supermercados nenhum produto tivesse identificação, os consumidores precisariam passar um final de semana prolongado dentro do estabelecimento só para fazer a compra da semana. Daí a importância das embalagens. E num ponto de venda, as melhores embalagens têm mais chance de atrair os consumidores. Além de se destacar dos demais, temos a sensação inconsciente de que quem faz uma embalagem interessante também deve oferecer um bom produto em seu interior.

O currículo é a nossa embalagem. Se ele de alguma forma nos sublinhar em meio as outras dezenas, centenas, milhares de pretendentes, teremos muito mais chances de passar pela primeira peneira. E com alguns pontos na frente. Porém, o conteúdo do currículo (se comprovado na prática) é o que vai pesar mais na decisão, claro. O currículo em si não faz você abiscoitar o emprego. A embalagem é importante, mas o que vai conquistar mesmo o consumidor é a qualidade do produto.

Um comportamento recorrente nos candidatos a uma vaga é que a maioria das pessoas exagera e cria um currículo tipo Nelson Rubens, que não inventa, mas aumenta. Confesse: você já fez isso, principalmente quando afirmou que falava inglês fluente. Mas, tudo bem, está perdoado. Até porque este não é o pior problema. Tem gente que produz um currículo tão criativo, mas tão criativo, que é todo inventado. Uma verdadeira peça de ficção. Há muito anos, estava eu trabalhando em uma agência e por acaso vi o currículo de uma pessoa na mesa do chefe. Enxerido que era na época, peguei para ler, não sem antes olhar para os lados para ver se alguém estava por perto, claro.

Tratava-se do currículo de um profissional candidato a CEO de qualquer empresa do mundo, tamanha suas qualificações. Embasbacado e invejoso (isso ainda sou), procurei seu nome no topo do documento. Foi aí que o castelo de areia se desmanchou diante de meus olhos. Eu conhecia o cara. E era uma besta. A embalagem não condizia com o conteúdo. Esse é um procedimento de alto risco, porque as pessoas logo vão descobrir que você não é essa coca-cola toda, vide o caso  da Bel Pesce há alguns anos. Por isso é fundamental fazer um currículo que represente fielmente a sua personalidade, seja ele criativo ou não. Pode inventar um pouquinho, mas não exagere. Quem compra o Mickey não vai gostar de abrir a embalagem e encontrar um rato morto.

Eu mesmo sempre fiz uso da subversão para criar meus currículos. Quando comecei na propaganda, isso em meados do século passado, criei um anúncio e publiquei nos classificados de um jornal do mercado publicitário. Saiu no domingo e na segunda eu já estava empregado. A agência era uma merda, mas, ei, não se pode ganhar todas. Como bônus, a peça ainda me rendeu uma medalha de bronze no Anuário do Clube de Criação de São Paulo, o mais importante prêmio da propaganda brasileira.

Anos depois, repeti a dose. Mas já um profissional experiente, tive que melhorar e sofisticar muito a peça. E foi o que fiz. E também ganhei um prêmio, de novo no Anuário do Clube de Criação. Esta peça, inclusive viralizou, o que quer que esta palavra significasse em 1995, e vários veículos da mídia o reproduziram. O mais importante foi um artigo de destaque na Folha de São Paulo. Só que desta vez não consegui o emprego. Fiquei um pouco mais desencantado do que já estava com a profissão. Poucos anos depois, abandonei a publicidade. Cansei de fazer currículos criativos.

O perigo de se fazer um currículo criativo é perder a mão e produzir uma peça que faça o efeito contrário. A distância entre um gênio e um quadrúpede é do tamanho de um gene. Cuide também de conhecer o perfil e a cultura da empresa que você quer impressionar. Não é aconselhável mandar para uma empresa aérea um currículo no formato de uma bomba, usar trocadilhos que remetam a queda de aviões nem utilizar um daqueles saquinhos de vômito, só para dar alguns exemplos. Ser criativo é ser diferente, mas ser diferente não quer dizer que seja criativo.

A criatividade é uma arma quente, uma faca incandescente com um par de gumes. A possibilidade de sucesso de uma ideia está na mesma proporção do tombo que ela pode provocar. Quanto mais arriscado, maior o sucesso (ou tombo). Se você não tem estômago para aguentar esta pressão, talvez então seja melhor continuar fazendo aqueles currículos tradicionais e torcer para que a moça de maiô sorteie o seu.

Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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