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Blog do Henrique Szklo

A sociedade moderna é uma fábrica de salsichas

Henrique Szklo

10/04/2018 04h05

Crédito: iStock

Sim, estamos em uma fábrica de salsichas, cujos donos representam 1% da população mundial. E nós, o resto, somos as salsichas. Triturados, misturados e embutidos apenas para alimentar os mesmos 1% que dirigem a fábrica. Isso mesmo que você está lendo. Você é uma salsicha. Sua família é uma família de salsichas. Seus colegas de trabalho são salsichas. Todos seus amigos no facebook são salsichas. E aqueles com quem você brigou por causa da política também.

Esqueça a luta e a violência entre classes, raças, religiões, preferências políticas ou sexuais, enfim, aquilo que ocupa boa parte de nosso dia a dia. Somos todos pasta extrusada na mesma tripa. Você bem sabe que o conteúdo das salsichas é uma cornucópia de elementos das mais diversas, suspeitas e preocupantes origens. Somos, sem perceber, esmagados e obrigados a conviver com tudo aquilo que tanto odiamos: os outros. Oprimidos, presos em um embutido de quinta categoria. E ainda achando que somos especiais.

É triste dizer, mas os donos da fábrica não estão nem aí pras salsichas. O que elas pensam da fábrica, o que elas pensam umas das outras, ou sequer se pensam alguma coisa. Tratam todas as salsichas, sem exceção, com desprezo, deboche e escárnio.

Corrigindo um detalhe, nem todos os 99% da população é feita de salsichas. Existe um pequeno grupo social que se encontra entre os donos da fábrica e os embutidos: os operários, aqueles responsáveis por fazer a fábrica funcionar. A serviço dos donos, são sempre muito servis e agradecidos pela honra de ocupar postos tão nobres e terem a sorte e o privilégio de não serem salsichas. E, imitando os proprietários, ignoram as salsichas, desprezam suas necessidades e desejos. Se realizam apenas ao manipular a massa, alegremente.

Os operários, obedientes e leais, recebem dissimulados sorrisos de desprezo dos patrões pelos serviços prestados. Delirantes, sonham em um dia saírem do chão da fábrica para ocupar uma sala na diretoria, a um passo da sociedade. E os patrões estimulam este sentimento ridículo, sugerindo que o operariado tenha "pensamento de dono" e com isso, mantenha suas orelhas em pé e rabos abanando. Reforço positivo, diriam os psicólogos. Reflexo condicionado, diria Pavlov. Mas bastou perder sua utilidade para a fábrica, o destino do operário é selado: vai virar salsicha também.

Os donos da fábrica são pessoas perspicazes, competentes e têm um senso de humor muito apurado. Dão tapinhas nas costas dos operários, depois entram em seu grupo de whatsapp e teclam que estavam com as mãos sujas e usaram a roupa dos idiotas para limpá-las. E dá-lhe rsrssrsrsrrs, kkkkkkkk, lol…

Mas o pior sobra para as pobres salsichas. Os operários passam o dia falando para elas que se elas fizerem por merecer, se se esforçarem de verdade e só pensarem nisso, exclusivamente nisso, poderão pleitear um posto fora da esteira da linha de montagem. Você consegue imaginar cena mais patética e insólita? Uma salsicha, na linha de montagem, olhando para o céu, sonhando aparecer um dia na lista da Forbes? Mas as salsichas são assim mesmo, ingênuas. Elas acreditam.

Isso me lembra um comercial antigo em que um locutor perguntava para um porquinho e uma vaquinha o que eles seriam quando crescessem. E a resposta em coro era "salsicha Frigor Eder!". Era triste ver aqueles bichinhos inocentes, manipulados, dizendo uma barbaridade daquelas, incapazes de reconhecer seus carrascos. E, mais triste ainda: com sorriso nos lábios. O destino inexorável de uma salsicha é acabar mastigada e engolida. Não há glórias na vida de uma salsicha. Apenas pão, mostarda, ketchup, maionese, purê e, se tiver sorte, batata palha.

Algumas salsichas revolucionárias ainda tentam convencer às outras que se um dia se conscientizarem de sua força, poderão mudar os rumos de toda a fábrica. A esses, eu grito: "A nossa – salsicha – jamais será vermelha! Ops, mas ela é vermelha…

E aos embutidos arrogantes, preconceituosos, aqueles que insistem em dizer que não se misturam com outras qualidades de salsichas, se achando a última salsicha do pacote, digo de forma direta: não fique se achando, meu amigo, imaginando que você seja uma salsicha premium, porque, mesmo se for, não vai fazer diferença nenhuma. Convença-se de uma vez por todas: é uma merda ser uma salsicha.

Desculpe, eu às vezes me descontrolo diante de injustiças e falta de bom senso. Não considere minha última frase. Não quero que você pense que este é um artigo fatalista ou que eu queira promover a desesperança entre meus leitores embutidos. Não é nada isso. Ao contrário, acredito que o destino de uma salsicha não é necessariamente uma panela de água fervente. Acredite: nem tudo está perdido.

Por isso eu clamo a todos: Salsichas do Brasil, uni-vos! Não podemos desanimar. Não há como deixarmos de ser salsichas, isso é óbvio, mas podemos ser salsichas diferentes, com personalidade própria, com desejos e maneiras particulares de ver a vida, conectadas com nossa verdadeira identidade. Sim, nós podemos. Podemos buscar um novo sentido para nossas vidas. Podemos descobrir maneiras de desembutir, pessoal e profissionalmente. Podemos e devemos encontrar e seguir nossos verdadeiros valores e não aqueles que nos são impostos pela fábrica e seus operários. Mas para dar este passo gigante, precisamos lançar mão da mais poderosa arma que temos: a criatividade. Entendeu, salsicha?

Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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