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Blog do Henrique Szklo

Quem não é capaz de rir de si mesmo será sempre um intolerante em potencial

Henrique Szklo

20/02/2018 04h10

Crédito: iStock

Humorista de verdade não tem lado, não tem ideologia, não tem bandeira. Independentemente de sua posição pessoal, tem de ser livre o suficiente para atirar em tudo o que se mexe e no que não se mexe também, sendo o Monty Python a mais subversiva referência que consigo me lembrar. Isso significa que, além de ser engraçado, o cômico também precisa ser despojado e corajoso. Afinal, alguém sempre vai ficar ofendido com uma piada. Sempre. É o princípio e a função primária do humor dar uma chacoalhada em alguma crença. Seja nas piadas ruins, seja nas boas, lamento dizer, senhores insultados compulsivos.

Liberdade é poder dizer o que se pensa, contanto que não ofenda ninguém. Portanto, liberdade não existe.

O limite entre uma provocação e uma ofensa está cada vez mais tênue. Os politicamente corretos são o maior desafio dos humoristas e não seus inimigos. Quanto mais difícil for fazer graça, mais estimulante é, e maior a necessidade de ser criativo. A missão do humorista de hoje é caminhar neste solo feito de geleia, o que de certa forma facilita a separação entre os bons e os maus profissionais do humor.

Por isso, mais do que os politicamente corretos, me incomodam os humoristas de quinta. Os que usam truques velhos e rasteiros, gerando aquele riso provocado por algum tipo de histeria. Piadas fáceis e de baixo nível, tirando sarro de minorias ou apelando para metáforas de cunho sexual. Diria que a linguiça é o maior, mais rijo e pulsante expoente deste tipo de humor. E se colocar a linguiça no pãozinho, então, levaremos a vulgaridade à perfeição.

Mas pior que piada de baixo nível é piada com lição de moral. Alguns desses ditos humoristas brasileiros carregam com orgulho um nítido pensamento moralista conservador. Mas ser conservador não seria tão grave se nas entrelinhas de suas "piadas" não pudéssemos notar um ranço, um cheiro de vingança pessoal. Uma demonstração clara de que o piadista está de alguma forma ofendido e quer dar o troco. E como sabemos, se sentir injuriado é coisa de quem não tem senso de humor. Se quer dar o troco, que seja leve.

O verdadeiro cômico, repito, independentemente de suas crenças pessoais, não se avexa, não escolhe lado, não moraliza nenhum tema. Ao contrário: enxerga tudo à distância, buscando sempre a desestabilização do status quo, não permitindo que nada se leve tão a sério, que esteja acima de críticas, inatingível, inquestionável. Inclusive, ele mesmo. Quando você é um iconoclasta de verdade, não pode permitir sequer que você mesmo seja, de alguma forma, celebrizado. Seria uma contradição inaceitável.

Ao expor de forma indireta as suas mágoas e melindres pessoais com o peso de uma frustração explícita, o humorista perde a graça e, consequentemente, o direito de ser assim chamado, recebendo em troca, com muita justiça, a alcunha de idiota.

A única forma que eu conheço de imprimir autoridade a uma piada é fazê-la de modo inteligente e criativo.

Quando uma piada é sedutoramente inusitada e tem QI mais ou menos elevado, ela é auto-defensável, auto-limpante, mesmo aquela que ignora totalmente o bom senso. A boa piada faz alguma certeza em seu cérebro tomar um chute na bunda utilizando a lógica como pé.

Mas, pensando bem, a culpa não é totalmente dos humoristas brasileiros. A audiência também é das mais indigestas. Os humoristas –e o público–  estadunidenses e ingleses teriam muito a nos ensinar se seu estilo de graça não fosse quase uma heresia por aqui. Como um traço cultural conhecido, o brasileiro tende a simpatizar com o perdedor, ou seja, o alvo das piadas.

Não, o brasileiro não está preparado para um tipo de humor mais agudo, penetrante, que mexa com vespeiros lotados de insetos peçonhentos. Me surpreende, por exemplo, que nos EUA os presidentes apareçam em talk-shows e ouçam piadas sobre eles próprios, olho no olho, com altivez e indulgência, retrucando as provocações com a mesma verve provocadora e mordaz. Senso de humor, o segredo da comunicação inteligente e criativa entre seres humanos.

Pois é, o brasileiro é o tirador de sarro, o piadista, mas no fundo carece do verdadeiro senso de humor. Daqueles profundos, que sejam capazes de levar com um certo espírito esportivo mesmo as piadas que atinjam suas crenças mais profundas. Não estou dizendo que precisa gostar e sair dando gargalhadas, mas, se a piada for inteligente e criativa, entender o princípio e a importância deste tipo particular de interação social. A associação entre senso de humor e tolerância é gritante. Quem não é capaz de rir de si mesmo será sempre um intolerante em potencial.

Agradeço à santa ignorância pela graça alcançada

Brasileiro quer agradar todo mundo. Não gosta de falar as coisas na cara, confrontando pensamentos e comportamento, afinal, a pessoa pode deixar de gostar da gente, o que seria insuportável. Por isso, o tipo de piada que nós gostamos de contar são aquelas em que o alvo está de costas pra gente. E bem longe, de preferência. Se ele nunca ficar sabendo, melhor ainda. Tá certo. Que graça tem colecionar inimizades desnecessárias?

 

Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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