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Hoje o brasileiro é educado pela propaganda

Henrique Szklo

02/10/2018 04h00

Crédito: iStock

O que mais tem me encafifado atualmente é a postura que a propaganda está tomando nos últimos tempos. Não se fala mais sobre o produto e suas qualidades. Ok, um avanço, já que todos sabemos que o consumo é um gesto emocional e que os argumentos racionais só servem para aplacar nossa culpa, explicando a nós mesmo porque compramos algo que não precisamos por um preço inexplicável. A propaganda demorou a entender, mas agora assumiu que a melhor maneira de manipular o consumidor é atingi-lo direto no coração. A propaganda é o cupido do capitalismo.

A questão é que a propaganda não está se limitando ao seu papel original de tentar associar emoções profundas a produtos e serviços superficiais, com o nobre propósito de levar as pessoas ao consumo desembestado. Algumas mais saidinhas estão se dando o direito de, com muita ousadia e petulância, nos dar lições de vida nos intervalos dos programas. Querem nos ensinar a nos comportar e o nos dizer o que e como pensar. Desculpem-me os mais pacientes, mas não posso admitir que uma cerveja entre na minha casa para me dizer que eu não devo ser misógino, preconceituoso, que preciso respeitar a opinião dos outros, blá-blá-blá! E o pior é que a cerveja nem é lá essas coisas. Não tem moral pra vir dar lições ao consumidor. Deveria se preocupar em melhorar sua qualidade antes de tentar melhorar a minha. Agora uma lanchonete resolveu nos instruir sobre as mazelas do voto em branco. Daqui a pouco um banco vai querer ensinar como se educa os filhos. Opa, já ensina…

Uma coisa é dar exemplos por meio de histórias que referendem a mensagem. Outra coisa completamente diversa é afirmar textualmente o que você quer que as pessoas pensem. E o que uma cerveja e um sanduíche têm a ver com comportamento social. Tá bom, tem tudo a ver, mas isso não lhes confere o direito de apontar o dedo para nós e nos dizer o que é certo e o que é errado.

Este fenômeno pode ser explicado pela ausência de formação cultural e estímulo intelectual de nosso querido povo brasileiro. A falência de nosso sistema educacional ajuda a alimentar este frankenstein social. Não se aprendem mais as mais simples e básicas noções de cidadania em casa ou na escola. Não se aprende mais a respeitar o outro, apenas a manipular os aparelhos e seus aplicativos. O resultado é que vivemos hoje em uma sociedade muito mal educada e, portanto, egoísta. Estamos todos perdidos e ansiosos em meio às necessidades infinitas que somos obrigados a atender. Conclusão: a propaganda também está falhando como principal instituição responsável pela nossa educação.

Propaganda virou autoajuda. Você liga a televisão e parece que está assistindo a versão filmada dos minutos de sabedoria. Esse desvirtuamento acontece por causa de um comportamento muito comum no marketing de hoje. Em vez de exaltar suas qualidades reais, as empresas fazem pesquisas e descobrem o que as pessoas querem ouvir. O que está na moda. E mandam bala nestas mensagens, muitas vezes sem a mínima identidade com suas próprias crenças. Não se pode ensinar utilizando apenas informações que corroboram a opinião dos alunos. Ensinar não é concordar. Não é agradar.

A cerveja está preocupada com o nosso comportamento? Os bancos existem para nos ajudar? Operadoras de celular só ficam felizes quando nos oferecerem preços baixos? A indústria farmacêutica só pensa na nossa saúde? Olha, longe de mim querer decepcionar o leitor, mas posso garantir que a lanchonete está se lixando se a gente vai votar em branco, preto ou vermelho.

Hoje o símbolo máximo de liberdade é ter um jipe caríssimo. Uma liberdade estranha já que você fica preso a uma prestação salgada, IPVA, seguro, custos de manutenção, trânsito infernal, risco de assalto, manobristas descuidados. Liberdade, liberdade… E o pior é que quem compra esse jipe não coloca ele em estrada de terra nem a pau. Um carro caro desses…

Não se iluda. Desde que os donos idealistas de empresas foram substituídos por investidores, a preocupação é uma só: lucro. Se agora eles ficam dando lição de vida a torto e a direito é porque existe um vácuo educacional que eles estão preenchendo com muita competência com o único propósito de faturar a qualquer custo. A propaganda é uma professora muito má. Não está nem um pouco preocupada em informar e muito menos educar. Ela quer doutrinar, isso sim. Em celulares, tablets e no seu computador.

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Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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