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Dieta rica em sapos diminui problemas de relacionamento

Henrique Szklo

14/08/2018 04h00

Crédito: iStock

O ser humano por uma questão genética é obrigado a viver em grupo. E para que isso seja possível, acabamos por desenvolver a capacidade de relevar certos comportamentos alheios. Em nenhum grupo social você vai encontrar cabeças idênticas, indivíduos que pensem da mesma maneira nos mínimos detalhes. Isso é natural e, obviamente, desejável.

De certa forma, criamos um escalonamento de tolerância. Algumas coisas não nos incomodam, outras mais ou menos e tem aquelas que não suportamos ou admitimos. Esta última cria uma cizânia em nosso grupo social até que uma das partes se renda. Do contrário o grupo será quebrado e, para que ele sobreviva, alguém deverá abandoná-lo ou admitir enfaticamente que estava enganado.

Parte do problema é a tendência que temos de imaginar que as pessoas devem ter a uma visão de mundo idêntica à nossa, o mesmo código ético e moral, o mesmo comportamento e as mesmas reações aos acontecimentos. Porém, as pessoas não são como nós. Para o bem ou para o mal. Mesmo que a gente tente entender o lado delas, nossa decepção permanece e, muitas vezes gera o desejo de não contar mais com sua agradável companhia.

A política, na verdade, é a arte de lidar com estas diferenças e tentar acomodar a visão de todos os envolvidos de forma a que ninguém se sinta violentado ou ultrajado e permaneça razoavelmente satisfeito e fiel ao grupo. Porém, grande parte das pessoas tem um limiar de tolerância muito rasteiro e qualquer coisinha as tira do sério e da racionalidade. E é a baixa tolerância às diferenças que geram violência e dificuldade de socialização.

O resultado deste mal-entendido é a decepção. Nos decepcionamos com as pessoas pelos mais diversos motivos: justos, injustos, relevantes, desimportantes, grandes e pequenos. Todo mundo diz que quanto mais esperamos de alguém maior é a possível decepção. É verdade. Talvez por isso seja melhor não esperar muita coisa de ninguém. Digo isso como se fosse fácil para nós escolher se vamos esperar algo de alguém ou não. Porém é um exercício necessário e válido. E não precisamos encarar isso como um desejo de desprezar o outro ou desenvolver uma amarga desilusão com a raça humana. Não. Devemos fazer isso mais como uma espécie de seguro. O fato de as pessoas não serem como queremos é um fato imutável. Então, pra que sofrer mais do que o necessário?

Aí se fazem necessárias outras capacidades que devemos desenvolver para o bom convívio social: a paciência e compreensão, o que os intolerantes chamam de "sangue de barata". As pessoas com mais estômago têm mais chances de ter uma vida socialmente saudável. Estômago que comporte uma dieta rica em sapos de todas as cores e tamanhos. Ou talvez não seja bem o estômago. Talvez elas simplesmente não sejam tão exigentes com relação a certos conceitos morais e éticos, os relevando sem sofrimento. Pode ser também medo de ficarem sozinhas, maturidade que lhes confira a capacidade de entender melhor a natureza humana ou ainda, por interesses pessoais ou profissionais, simplesmente a capacidade de ignorar os vícios alheios.

Porém, tem muita gente com imensa dificuldade de abstrair a decepção e que acaba colocando um ponto final nas relações. Certos assuntos em particular as deixam completamente destruídas por dentro por serem questões fundamentais em suas vidas. Pessoas como eu.

Ingratidão, falta de palavra, desonestidade, desrespeito pessoal ou profissional, mentira, mesquinhez e falta absoluta de empatia com os menos afortunados são alguns dos itens de minha lista negra pessoal. Nestes assuntos não faço concessão. Não dou uma segunda chance. Não perdoo. Afinal, não tenho sangue de barata. É claro que em alguns casos tive de saborear alguns anfíbios da ordem Anura, mas isso é inevitável, principalmente quando precisei conservar meu emprego enquanto não encontrava outro, manter parcerias estratégicas para meu negócio ou simplesmente para segurar um cliente mimado e vingativo.

Confesso, tenho dificuldade para lidar com as pessoas quando elas se mostram como são em sua essência. Socialmente todo mundo é bacana. Todo mundo vive o Facebook way of life. Mas existem aqueles momentos estratégicos onde podemos conferir quem elas realmente são. E, na maioria das vezes, não são aquilo que se esperava ou gostaria. Eu sei que o problema é meu e não delas. Só que a minha consciência não as redime de nada.

Rompi com muita gente em minha vida por causa de apenas um evento. E não faço distinção de posição social, de nível de amizade e até de relações familiares. Sempre gostei de enxergar as pessoas como indivíduos, não conferindo a elas um foro especial apenas por pertencerem a um grupo x ou y. Me decepcionou profundamente, tá fora. Mas a melhor parte vem agora. Eu não guardo mágoa de quem me decepciona. Por algum mecanismo maluco na minha cabeça, após algum tempo de decepção, eu simplesmente me desconecto emocionalmente e passo a não sentir nada. Defesa, eu acho.

Obviamente, tenho plena consciência de que de tempos em tempos também decepciono as pessoas que de alguma forma confiaram em mim. Não estou dizendo que a obrigação de todos é ser o que todo mundo espera. Na verdade é ao contrário. A questão é como você lida com isto. Eu, covardemente, assumo, me afasto de quem me decepciona e, em contrapartida, entendo perfeitamente quem se afasta de mim pelos mesmos motivos.

Hoje em dia, não espero quase nada de ninguém. Certamente um mecanismo de proteção que desenvolvi para diminuir os índices de decepção em minha vida, e como resultado prático posso dizer que logrei um certo êxito. Mas, por outro lado, isso me fez mais refratário às relações pessoais. Em princípio, não confio em ninguém e isso é um mal começo para um relacionamento. Ou talvez seria mais correto dizer que nem um começo é.

Quem sabe a solução seria fazer uma transfusão de sangue, trocando o meu pelo de uma barata? Mas aí vou correr o risco de perdoar todo mundo, o que, para mim, seria imperdoável.

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Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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