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Descubra porque o meu ego é muito mais bonito do que o seu

Henrique Szklo

03/07/2018 04h00

Crédito: iStock

Certa vez um famoso publicitário morreu e outro famoso publicitário resolveu escrever um artigo em sua homenagem. Ocupou boa parte deste texto louvando e elencando cada conquista de sua própria carreira com indisfarçável admiração para, no final, nas últimas singelas linhas, concluir que todo aquele sucesso extraordinário e incomparável que amealhou em sua carreira vitoriosa teve o publicitário falecido como inspiração. Bela homenagem. Foi difícil conter as lágrimas.

Quando nos deparamos com explícitas demonstrações de modéstia reprimida, meneamos a cabeça, esticamos nossos lábios e expressamos um olhar de severa reprovação. "Como é que pode?", nos perguntamos, desconsolados. E lá vai mais uma crítica ao ego, como se fosse ele o responsável por este desequilíbrio da autoimagem. Vamos ver se é isso mesmo.

Todos os seres vivos são governados por seu genoma. No caso dos animais, ele imprime em seus cérebros o que eu chamo de Diretiva Primária, um comando inconsciente do qual nenhum de nós pode abdicar: "sobreviva a qualquer custo". A Diretiva Primária faz com que nos esforcemos para nos adaptar às mais diversas e críticas situações. Quando nossas vidas estão em risco, lutamos até nosso limite para sobreviver. O maior representante deste comportamento é justamente o santo protetor dos criativos, São Magaiver. Que ele nos proteja!

Pois bem, todo genoma quer porque quer proliferar, sendo que seus principais adversários são os outros genomas. Numa situação extrema, leões que assumem o comando de um bando têm, como primeiro ato de seu reinado, matar os filhotes do rei deposto. É muita judiação. Os filhotes são fofinhos, mas seu destino estava marcado. Não é crueldade, é a Natureza que utiliza a competição genética como ferramenta para aprimorar as espécies. Não pense que por sermos supostamente racionais tenhamos capacidade de nos livrar desta lógica universal. É um poderoso componente inconsciente que tem o papel preponderante de cuidar de nossa sobrevivência.

A Natureza, aliás, é mantida por disputas intermináveis entre todas as forças. O conflito, o embate, a competição são parte fundamental do processo. Competir é um dos mandamentos da Diretiva Primária: para sobrevivermos, precisamos nos sobrepor aos outros. Somos competitivos, mesmo aqueles que acham que não. Competimos por tudo: por espaço, por empregos, atenção, enfim, competimos por tudo. E tudo começa com o esperma vencedor da corrida disputada entre milhões que nos gerou.

Dentro desta lógica, mesmo sendo obrigados a viver em grupo – mais uma determinação de nosso genoma -, o outro é sempre visto como uma potencial ameaça. Nós sempre somos mais importantes. Sempre. É de se esperar, portanto, que a extrema preocupação com nossa sobrevivência possa promover o egoísmo tendo como uma de suas consequências o ego inflado. Quando a necessidade inconsciente de competir com outros indivíduos sofre algum desequilíbrio, o resultado são esses comportamentos socialmente reprováveis.

O ego serve, portanto, para nos manter vivos e mais ou menos equilibrados. Uma pessoa que não tem um ego atuante não vai sobreviver na selva que é a vida. Pense: sempre tentamos ser melhores do que os outros em alguma medida: "ele é rico, mas é feio" (ou seja, você se acha mais bonito); "ela namora aquele cara gato, mas eu sei falar inglês"; "aquela família está sempre viajando pelo mundo, mas não tem o amor que a minha tem"; "ela é linda, mas tem chulé", e por aí vai. O ego estufa sempre quando achamos que somos melhores do que os outros em alguma característica, talento ou desempenho de forma evidente. Para nós, pelo menos.

O ególatra é aquele que não se contenta em se achar. Ele precisa ajudar os outros, lembrá-los que ele é o máximo. Certificando-se de que ninguém ficará em dúvida, ele expressa reiteradamente seus feitos e glórias. No fundo é um idealista que luta contra a ignorância alheia.

Não temos como lutar com o nosso ego. Nem devemos. Não acho nem que seja adequado nos controlarmos. Se nosso ego é grande, que seja. Os outros vão se incomodar com a gente sendo arrogante ou sendo humilde. Pior que isso, hoje as pessoas estão se especializando em mídia training e sabem que precisam mentir para angariar seguidores. E o mais curioso: os fãs sabem que eles estão mentindo, mas, por alguma razão, preferem o falso humilde do que o verdadeiro arrogante. Ou seja: preferimos o mentiroso e dissimulado, do que o autêntico, o honesto. Provavelmente porque achamos que aquele que se controla em seus ímpetos autocentristas está no fundo nos respeitando, deixando de se colocar em uma posição superior. Já aquele que assume que acredita estar acima da média, está nos humilhando, por isso merece todo nosso ódio e repúdio. Esses humanos…

Usei o publicitário como exemplo, mas é notório que o ego desmesurado atua em todas as profissões, não apenas naquelas reconhecidas pelo desempenho criativo. Engenheiros, astronautas, analistas de redes sociais, bombeiros, adestradores de elefantes, carcereiros. Alguns médicos, por exemplo, se acham deuses.

Uns tem o ego mais elástico, frouxo, tanto que qualquer merreca que fizerem já começam a se achar grande coisa. Digo que eles tem ego inflável, tipo joão-bobo. Enche e esvazia com muita facilidade. Outros são mais rígidos, contidos. Só ficam metidos quando conquistam o legítimo direito de sê-lo, como o publicitário citado acima, temos que reconhecer.

Encontramos o ego febril geralmente em quem está numa posição de destaque em sua atividade, em quem é famoso, rico e/ou poderoso, mas também naqueles que não se conformam em não pertencer a nenhuma dessas categorias. O ego é um componente humano. Mate o ego e você morrerá com ele.

É óbvio que muita gente lendo este texto deve estar se incomodando e louco para comentar "o autor gosta de falar dos outros, mas ele mesmo tem um ego estratosférico". Sim, tenho humildade suficiente para assumir este deslize de caráter. Mas preciso reconhecer que, neste caso em particular, devo ao publicitário egocêntrico a excelente ideia que tive de escrever este artigo.

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Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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