Você é livre para ser o que quiser #sqn
Henrique Szklo
26/06/2018 04h00
Crédito: iStock
Waldomiro é um libertário desde sempre. Não obriga ninguém a nada. Em sua visão, cada um faz exatamente aquilo que achar melhor, contanto que assuma as consequências depois. Mas Waldo nunca foi santo. Não tem nenhum acanhamento em jogar na cara daqueles que se dão mal, a despeito de suas advertências, o sempre insensível e humilhante "eu avisei!". Criou seus filhos assim. Criou seu cachorro assim. Não suportaria conviver com um robozinho programado a obedecê-lo em troca de ração.
Sempre diz que age assim por não querer que lhe digam o que ele tem ou não tem de fazer. Tem horror à lição de moral. Acredita que a liberdade é o mais importante e valioso patrimônio do ser humano. Que o resto só tem valor e sentido a partir dela.
Waldomiro também é um relativista. Sua doutrina é que não existe o certo absoluto, nem o errado inquestionável. Tudo depende das circunstâncias que cercam cada um dos lados da moeda. Proclama que as pessoas têm razões para ter os posicionamentos que têm. Que foi tudo construído socialmente ao longo de suas vidas e que, portanto, são crenças legítimas. Quem é ele para julgá-las. Em contrapartida também pergunta sem embaraço: quem são elas para julgá-lo?
"…nasceu para ser filho de pai rico e que fez sua parte. Quem não fez foi seu pai."
Waldo não é um anarquista, ao contrário. Seu comportamento é ditado por respeito aos outros e a si mesmo. Afiança que as regras sociais devem, necessariamente, ser respeitadas. Diz que sem elas, também não existirá liberdade.
Você pode imaginar, então, como tem sido íngreme e cabeluda sua trajetória profissional. Sempre brincou dizendo que nasceu para ser filho de pai rico e que fez sua parte. Quem não fez foi seu pai. Por isso, sempre teve de trabalhar para outras pessoas. Pequenas, médias e grandes empresas cheias de regras e chefes refratários à autonomia alheia. Horário para chegar, para almoçar e para ir embora. Jamais respeitados, é verdade. Teve de aceitar pessoas sem capacidade para julgar seu trabalho julgando seu trabalho. Falava o que pensava, a quem quer que fosse, exigindo respeito. Mas ele sabia, como todo mundo, que exigir respeito no trabalho é pedir pra tomar um pé na bunda. Foram anos de inferno para ele, mas, para seu regozijo, décadas de inferno para as empresas também. Com honestidade, reconhece que é insuportável, que jamais contrataria uma pessoa como ele.
Finalmente, cansou de ser tratado como um pária. Dizia, com tristeza, que no Brasil as empresas preferem contratar bundas a cérebros. Não se preocupam com o resultado do trabalho, apenas se você está em sua cadeira durante o tempo em que foi pago para estar. Que este modelo anacrônico, hegemônico desde a Revolução Industrial, emburrece as pessoas e tolhe sua criatividade. Resolveu, então, parar e tentar tomar vergonha na cara. Mas o que fazer, já que trabalhava naquilo que pensava ser sua vocação desde a adolescência? Trabalhar para os outros, nem pensar. Ao mesmo tempo, desenvolveu verdadeira alergia e repulsa em ser chefe, em obter ascenção sobre outra pessoa apenas por lhe pagar um salário. É orgulhoso, o sujeito. Quer que as pessoas o respeitem pelo que é e não pela plaquinha que tem na porta. Resumindo, não pode ser chefe nem empregado. Waldomiro é um hiato ambulante.
"…quando fazemos escolhas fora do que o Curral Social define como inquestionáveis, temos de lutar muito mais."
Mas nem tudo é sofrência na vida de Waldo. As mesmas razões que estreitaram seus horizontes, o ajudaram a encontrar sua verdadeira vocação profissional. "Quantas profissões você conhece que não têm chefe nem empregado?", ele sempre pergunta, já sabendo a resposta: muito, muito poucas. Ficou fácil escolher, garante. Hoje é escritor, consultor independente e professor de seus próprios cursos. Sem chefe e sem empregados. Trabalhando com ele, só a sua mulher e sócia Ondina, que, como ele, é uma pessoa libertária e também uma santa.
A vida deles não é fácil, como a de todo mundo. Waldomiro garante que não se parece nada com uma Disneylândia cotidiana. Diz que suspeitou desde o princípio que quando fazemos escolhas fora do que o Curral Social define como inquestionáveis, temos de lutar muito mais. O caminho do novo, do diferente é sempre mais inóspito. Não existe uma estrada asfaltada para desembestar. É preciso ser seu próprio bandeirante, abrindo caminho à golpes de foice. Ele garante que vale a pena. Que jamais voltaria atrás. Mas ele mesmo sabe que é quase uma utopia, porque apesar do esforço, não há garantias de as coisas darem certo. Diz ele que essa é a graça. Sim, talvez sua vida seja uma Disneylândia cotidiana. Porém, restrita àquela montanha russa construída no escuro. Ele grita, passa medo, não sabe o que tem pela frente, jorra adrenalina até às unhas do pé, mas, no final, sai relaxado, exorcizado e pronto para outra volta assustadora.
Waldo faz questão de frisar que, apesar de convicto de suas escolhas, ninguém precisa ser como ele. Nem o contrário. Mas gosta de provocar todo mundo, para, segundo ele, gerar reflexão. Você tem certeza de que seu trabalho é parceiro de sua realização profissional? Em caso negativo, onde está a sua felicidade para trabalhar? Onde você vai encontrar o prazer de acordar toda manhã? Admirador de Joseph Campbell, Waldomiro repete a quem quiser ouvir. E aos que não querem também: "Siga sua felicidade e portas se abrirão onde você nem sabia que haviam portas".
Uma vez, conversando com seus alunos, se deliciou em dizer: "Mas não se avexe, pessoal. Vocês são livres para decidir. Porém, se insistirem em fazer apenas aquilo que os outros dizem que é bom, aquilo que está na moda, o que vocês querem fazer mas que não é a praia de vocês, o que sua família mandou, o que vocês não gostam mas que dá mais dinheiro ou mais status, posso lhes garantir, sem medo de errar, que vocês podem até achar que dará tudo certo, mas no fundo, vão ser sempre pessoas pela metade. Quando não, frustradas. E neste caso, se daqui alguns anos nos encontrarmos de novo, vou poder dizer com todo o prazer que este momento me dá: eu avisei!
Sobre o autor
Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.
Sobre o blog
Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!