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Porque o banheiro é o melhor lugar do mundo

Henrique Szklo

12/06/2018 04h05

Crédito: iStock

Em primeiro lugar, vamos deixar claro uma coisa: o banheiro é o único lugar no mundo em que você pode ser você mesmo, sem máscaras, sem subterfúgios, sem dissimulações. Eu, por exemplo, adoro imitar a Madonna com um turbante de toalha na cabeça fingindo que a escova de cabelo é o microfone. Até porque eu preciso arrumar uma função para a escova de cabelo. Mas ao sair do banheiro, visto novamente a carapaça de homem frio e cruel, capaz de atitudes eivadas de malícia e preconceito. Uma rocha, sem sentimentos, sem tolerância, sem perdão.

Fora do banheiro, não admito chorar, não reconheço meus erros, passo por cima de qualquer um que esteja em meu caminho. Mas não me condene, por favor. A sociedade me fez assim.

No banheiro, choro pelos desvalidos, me compadeço com a luta dos oprimidos, me revolto com as injustiças, tremo de empatia por todos aqueles que não tiveram oportunidade na vida, cujo dia a dia é uma batalha sem a menor chance de vitória. Sinto meu coração se rasgar no meio. Uma dor lancinante. Chegam a rolar lágrimas verdadeiras antes mesmo que eu consiga terminar "Who's that girl", à capela. Mas, ao sair do recinto: que danem-se todos!

Fora do banheiro sou rude e hostil. Tanto que sou até capaz de votar no Bolsonaro se isso me trouxer a sensação de punir essa sociedade abjeta em que vivemos e que nos obriga a ser quem não somos. Mas antes de sair de casa até a zona eleitoral, uma palhinha de "Like a Virgin", claro.

Dentro do banheiro somos gente. Para comprovar isso, basta alguém tentar entrar, girando a maçaneta. O que você diz nessa hora?

O banheiro é um lugar tão mágico, tão libertador, que acho até que a terapia funcionaria muito mais se fosse realizada lá dentro. Imagine Freud sentado na privada enquanto você toma banho revelando ao doutor que quando criança era apaixonado pela sua mãe. Ele dirá que é normal, que também sentiu o mesmo. Mas quando ele começar a chorar é que a coisa vai ficar constrangedora.

Pensando bem, o que faz do banheiro essa Isla Bonita da liberdade, é o fato de não haver testemunhas de sua capacidade de cometer barbaridades que envergonhariam psicopatas. Pequenos e grandes pecados de foro íntimo. Talvez fosse melhor mesmo o doutor Freud ficar do lado de fora. Ele e a mãe dele.

Chega a ser óbvio dizer que, pelas mesma razões, o banheiro é o melhor lugar para se ter ideias. Ali, em meio a odores inimagináveis, sabemos que não seremos julgados, que as leis e regras estabelecidas pela sociedade não se aplicam entre as quatro paredes de azulejo. Podemos dar asas à imaginação e botar tudo pra fora: literal e metaforicamente. Número 1, número 2, não importa a matemática, quando você se permite pensar em qualquer coisa, você já está um passo a frente na construção de ideias originais.

Muito importante: não se esqueça jamais de trancar a porta. Porque sem a chave, todo este paraíso da liberdade, esta capela da independência, este parque aquático da redenção humana se torna apenas mais um lugar como outro qualquer. A chave do banheiro é o símbolo máximo da privacidade humana. Você está lá, acreditando estar protegido dos olhos inquisidores da sociedade, completamente despido de vergonha e de julgamento e, de repente, a sua tia entra e pega você numa posição que ela jamais esquecerá. Nem você. Tranque a porta. Pelo bem da humanidade. E de sua tia.

Pode ver na história: o marco civilizatório do homem foi aquele exato momento em que se inventou o banheiro. Antes, era a barbárie. Ouso dizer que, sem o banheiro, a humanidade estaria perdida. Sem espaço para emoções e fragilidades, a única válvula de escape que temos é a Hydra. A propósito, adivinhe onde eu tive a ideia para este artigo? No carro, claro! Com os vidros bem fechados interpretando minha mais nova versão de Frozen.

Quer um conselho? Tranque-se no banheiro e conhece a ti mesmo, ou, como diriam os gregos de Delfos (que, a propósito, não tinham o privilégio de ter um banheiro como o nosso, e nem conhecer a Madonna): γνωθι σεαυτόν.

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Sobre o autor

Henrique Szklo exerceu durante 18 anos a profissão de publicitário na área de criação, como redator e diretor de criação. Hoje é estudioso da criatividade e do comportamento humano, escritor, professor, designer gráfico, palestrante e palpiteiro digital. Desenvolveu sua própria teoria, a NeuroCriatividade Subversiva, e seu próprio método, o Dezpertamento Criativo. É coordenador do curso de criatividade da Escola Panamericana de Arte e sócio da Escola Nômade para Mentes Criativas. É colaborador também do site ProXXIma, tem 8 livros publicados e é palmeirense.

Sobre o blog

Assuntos do momento observados com bom humor pela ótica da criatividade e do comportamento humano. Sempre com um viés provocador e fugindo do senso comum. E que São Magaiver nos proteja!

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